A Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) reagiu pela imprensa em relação à introdução da geração distribuída de energia elétrica produzida por microgeradores no Brasil, recentemente regulada pela a Resolução Normativa 482 da Aneel, de 17 de abril deste ano.

Segundo estudos que a entidade mandou fazer, seria inútil o esforço do governo em permitir os microgeradores conectarem-se as redes de distribuição, pois isto acrescentaria ao sistema nacional “somente” 8% do total atual de energia gerada e custaria “muito”, ou estimados R$ 21 bilhões até 2030 – ou, ainda, cerca de $1,1 bilhão por ano nestes próximos 18 anos.

Geração distribuída é a modalidade de geração que mais cresce no mundo. No Brasil, começou a ganhar força em 2004, com o Decreto 5163, que a estabeleceu como modalidade legal de geração. Os autores, o presidente Lula e a então ministra de Minas e Energia e agora presidenta Dilma Rousseff, marcaram a necessidade do País ter a geração de energia também descentralizada, pois proporciona um sistema paralelo e complementar ao sistema convencional e além da energia produz reconhecidos efeitos benéficos, ou externalidades, como o ambiental, social e principalmente e econômico, com impactos locais e regionais.

A metodologia GD permanecia há anos nas gavetas do setor, por aparentemente conflitar com o modelo convencional vigente, degeração centralizada, que a seu tempo criou um sólido sistema nacional de energia, garantindo ao Brasil uma matriz elétrica 86% limpa e renovável e ainda um notável índice de acesso à energia.

Em sua infraestrutura, o sistema conta com um patrimônio estimado de 4,5 milhões de quilômetros em redes de distribuição, objeto do zelo das distribuidoras, mas que, tecnicamente é o subsistema que viabiliza a conexão de microgeradores. Portanto pode, mediante regras, acolher a geração distribuída. Contra isso, a Abradee reage.

Vários setores da economia podem se beneficiar desta medida, reduzindo custos, aumentando a eficiência energética das atividades e a sua sustentabilidade, reduzindo desigualdades regionais e mitigando impactos ambientais. Tal como o agronegócio da produção de alimentos (proteína), grãos, leite e carnes, responsável por mais de 40 % do PIB nacional.

Este setor demanda energia para várias operações, como aquecimento de animais, eclosão de ovos, frigorificação de produtos, moagem de grãos. A energia fornecida pelos meios convencionais só se viabiliza ali se for subsidiada. O paradoxal é que muitas dessas atividades agropecuárias e agroindustriais produzem biomassa residual que contém energia, na forma de dejetos, efluentes e resíduos orgânicos que podem gerar biogás e esse pode ser convertido em energia elétrica. O setor não usa essa energia, preferindo receber a energia gerada pelo sistema, ainda que pagando pela sua geração, transmissão e distribuição.

Para não ficar só no meio rural, o setor do saneamento básico, que gasta 5% da energia gerada no Brasil para recalcar água e esgoto (Procel, 2009) poderia ter outra dimensão econômica se lhe fosse permitido e facilitado gerar energia para se auto-abastecer e vender os excedentes conectando-se as redes de distribuição. O tratamento dos esgotos e os aterros sanitários são verdadeiros poços de biogás, que é fonte renovável de energia e a geração distribuída a modalidade mais adequada para conectar em rede a energia que podem produzir.

A energia solar fotovoltaica é outra fonte que explodirá em uso com a feração distribuída. Altamente difundida no mundo moderno e com enorme potencial na América do Sul e África, os dois territórios mais solares do Planeta, a solar PV é limitada pelo alto custo dos painéis, importados, e pela falta de mercado regulado para geração por microgeradores.

A RN ANEEL 482/12 procura remover quase todos os entraves que desestimulam a disseminação da solar PV. Sem isso, continuaremos desprezando a vantagem competitiva de sermos o maior exportador de quartzo em pedra do mundo – cerca de 250 mil toneladas/ano – e sem processá-lo para fazer painéis, transferindo para cinco ou seis países do mundo todo o valor agregado, empregos, desenvolvimento tecnológico e tudo o mais envolvido em um processo de ponta como esse.
Um processo industrial completo para produção de painéis PV, com apenas seis mil toneladas/ano de quartzo (2,5% do total das exportações brasileiras) incrementaria no sistema ao fim de um ano, 636 MWp em painéis fotovoltaicos, que gerariam 8,8 vezes mais potencia e 13 vezes mais energia elétrica, para cada MW hidrelétrico aplicado no processo. O investimento para se implantar a industrialização completa de painéis PV é de aproximadamente 1 bilhão de euros, ou quase R$3 bilhões.

Considerando somente essa oportunidade de investimento, que poderia se instalar no Brasil incentivado por um mercado regulado para microgeradores com painéis PV, só a industrialização completa do silício poderia representar mais do que 15% do investimento necessário para adequar as linhas de distribuição, conforme a nota da Abradee.

Esses números mostram que a posição reativa da Abradee não se justifica e que os seus argumentos, comparando com o total de energia gerada (8%), considerado muito pouco, e com o custo de R$21 bilhões em 18 anos, considerado muito alto, são frágeis e parciais e não justificam abrir mão da importância dos microgeradores para gerar energia complementar no País.

Por outro lado, está mais do que na hora dos microgeradores mobilizarem suas lideranças e organizações de classe, junto com as indústrias de base e outros componentes da cadeia de suprimentos e sentarem-se à mesa com a Abradee, para encontrarem números mais realistas, que possam oferecer mais e melhores esclarecimentos aos tomadores de decisão no Pais.

Só para lembrar, a Constituição Federal de 88, traz em seu Art 176, parágrafo 4º : Não dependerá de autorização ou concessão, o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.

**Cícero Bley Jr é superintendente de energias renováveis em Itaipu.

Fonte:http://www.jornaldaenergia.com.br/

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