Alexandre Cruz, presidente APESF
Já muito foi escrito e quase tudo dito sobre o setor fotovoltaico (FV) em Portugal. Alguma coisa foi feita mas muito mais poderá ser realizado.
A incerteza tem pautado o futuro deste setor. É unânime que o fotovoltaico terá um papel decisivo na produção descentralizada de energia mas faz agora precisamente um ano que as associações do setor pediram esclarecimentos sobre a declaração, em sede de IRS, dos rendimentos obtidos pela produção de energia em regime de microprodutor. Passado um ano as dúvidas, questões e incertezas persistem. Todos os anos mantém-se a incerteza sobre o regime bonificado, continua ou acaba? Passaremos a um regime de net-metering? Como definir, caracterizar e aprovar uma instalação de auto-consumo total? É do âmbito da DRE ou da EDP Distribuição? Como irá progredir o aumento da eletricidade? Terá o decréscimo de consumo efeitos no preço da tarifa eléctrica? E o défice tarifário? Como e quando será pago?
Estas são algumas das questões, dúvidas e preocupações que assolam o setor FV. É imperativo que exista um diálogo fluente entre todos os intervenientes do setor. Qualquer setor de atividade econômica tem de ter a capacidade de projetar-se no futuro.
Sentimos que falta, ao poder político, o querer fazer, o querer dinamizar. Algo tão simples como criar um grupo de trabalho em que estivessem representados os vários intervenientes do setor, produtores de energia, distribuidores, comercializadores, reguladores e associações, nunca foi realizado.
Existem investidores internacionais interessados em investir em grandes parques fotovoltaicos, nos países com maior radiação solar e maior número de horas de sol, Grécia, Itália, Espanha e Portugal. Estes investimentos são já baseados na venda de energia a preço de mercado, sem tarifas subsidiadas e sem qualquer peso para o orçamento de Estado. O que esperamos para atrair estes investidores?
É necessário dar um sinal de disponibilidade e confiança, sendo por isso urgente captar estes investidores antes que outros países o façam. Deverá realizar-se um estudo que avalie os prós e contras e que se parta em missão diplomática/energética. As associações e o tecido empresarial deste sector estão interessados em participar de forma ativa. É preciso energizar o setor e já temos todo o potencial reunido.
Barreiras para a implementação do Fotovoltaico em Portugal
O setor fotovoltaico poderá estar esquecido mas demonstra uma enorme determinação. É uma determinação que advém do acreditar nas energias renováveis e na eficiência energética. É a certeza que faz sentido produzir parte da energia que consumimos, a garantia que podemos ser mais eficientes do ponto de vista energético.
Em Portugal, pensa-se pequeno e protegem-se os “grandes” de forma leonina e pouco ou nada reflettida.
O sector FV não ambiciona terminar com as grandes produtoras de energia, pretende ser um complemento. Não tencionamos acabar com as comercializadoras de energia, mas reestruturar o custo da energia no cliente final. Pretendemos tornar eficientes os consumidores de energia elétrica. Não somos um problema, integramos a solução.
O Direito à produção de energia Porque não produzir parte da energia que consumimos? Porque não utilizar a rede de distribuição como um sistema multiponto de pequenos produtores distribuídos por Portugal, pela Península Ibérica ou mesmo pela Europa?
Bem sei que existem problemas de disponibilidade de potência, de sobreprodução energética, que o FV só produz de dia, etc… Mas existe algum estudo que nos permite identificar com clareza a penetração que uma produção de energia distribuída poderá ter no sistema elétrico português? Ou estamos com receio que realmente isto possa suceder?
Já alguém se debruçou sobre as vantagens para a rede eléctrica em beneficiar da produção, durante o dia e em particular durante as horas de ponta, de um sistema FV?
Fica a ideia de que foram lançados para o ar números que não incomodam ninguém. Números que não obrigam a estudos profundos sobre o balanço energético português com a interligação em grande escala de pequenos sistemas de produção FV.
O FV, em 2012, refletia 0,8% de toda a produção energética em Portugal. Contamos, desde o início dos tempos, com cerca de 230 MW. Por oposição temos a Alemanha, com baixa radiação e poucas horas de Sol, que em finais de 2011 contabilizava um acumulado de 24.7 GW de potência instalada e com um acréscimo de 7,6GW em 2012, totalizando 32.3GW, 140 vezes mais do que a potência instalada em Portugal.
A economia alemã, o seu PIB, o número de habitantes, a superfície do país, a necessidade energética, nada é 140 vezes maior do que em Portugal. Apenas foi definido um plano de penetração energética de fontes renováveis.
Desmistificar o mito “A factura de eletricidade é cara porque pagamos as renováveis” É verdade que o regime bonificado, Micro e Minigeração, é baseado num sistema de tarifa bonificada (subsidiada). É igualmente verdade que a tarifa de compra da energia, na nossa factura, também é subsidiada (regulada), aumentando o nosso défice tarifário.
O nosso défice tarifário é de cerca de 2,9 mil milhões de euros (2012) e terá de ser pago. Faz parte do memorando da Troika, o fim da energia regulada e a aposta no mercado liberalizado.
Não tenhamos ilusões de que nos esperam aumentos significativos no preço da eletricidade. As contas são simples, hoje a tarifa de venda de uma microgeração é de 0,196€/kWh. O preço de compra de energia em tarifa BTN simples ronda os 0,14€/kWh+IVA (0.17€/kWh). Se considerarmos um aumento anual de 3%, em quatro anos, estaremos a pagar um valor superior a 0,196€/kWh na aquisição de eletricidade da rede. Se juntarmos a estes valores o fim do valor regulado na aquisição da eletricidade, acredito que vamos encurtar a diferença em alguns anos.
Faz ou não sentido produzir parte da energia? Um microprodutor em regime de auto-consumo garante algo muito interessante ao longo dos tempos, a imunidade ao aumento da energia, pois a energia que produz não irá sofrer qualquer flutuação com os mercados.
Em resumo, os subsídios são importantes na medida em que permite o amadurecimento de uma tecnologia durante um espaço temporal. O FV já percorreu esse caminho. No entanto, não está em condições de competir com tarifas energéticas também elas subsidiadas. Em condições equitativas a balança pende, sem dúvida, para a produção FV distribuída de energia, em regime de auto-consumo.
É preciso explicar aos consumidores de energia a verdade. Quando os media se “lembrarem” de realizar uma reportagem, debate ou artigo sobre as energias renováveis, convidem as associações. Estaremos disponíveis para explicar de forma simples e compreensível o peso das energias renováveis e do fotovoltaico em particular.
Considerações finais: Há semanas reuni com uma importante individualidade do setor das renováveis que comentava: “todos os dias o Sol brilha, o Vento sopra e a Água corre, faz sentido não aproveitar esta energia?”.
Acho que a resposta é unânime: é claro que faz sentido aproveitar esta energia. Se a rede de distribuição energética não foi pensada, estruturada e desenhada para este fim, então teremos todos de procurar uma solução e lançar novos desafios tecnológicos de forma a ultrapassar esta barreira.
Fonte:http://www.edificioseenergia.pt/