Enquanto o governo desenha a forma dos leilões de energia nova previstos para o segundo semestre – A-3, de Energia de Reserva e A-5 -, os investidores elaboram suas estratégias para participar das disputas. Se a grande novidade, já confirmada pelo governo, é a volta do carvão mineral aos certames, os investidores em energia renovável apostam em uma reviravolta da política energética, que pode adicionar um novo elemento a concorrência. A energia solar, ainda vista como cara, poderia passar de azarão a grande campeão da temporada se os pleitos do setor privado forem atendidos.
A movimentação nos bastidores é grande e agora com números baseados em estudos, eles acreditam que tem uma argumentação infalível para convencer o governo. O preço é o principal mote da campanha pró-energia solar. Vista como cara, os empreendedores colocaram na mesa do Ministério de Minas e Energia a proposta de colocar a nova fonte com preço teto de R$ 165 por MWh já no leilão A-5, cujo fornecimento será iniciado em 2018.
O valor é considerado surpreendente mesmo para os mais entusiasmados defensores da fonte. “O valor é surpreendente. A gente tinha como valores mais otimistas na faixa de R$ 250. De qualquer maneira, independente da forma como eles chegaram lá, é um sinal bastante positivo para que a indústria solar se destrave”, comentou Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Energia do Greenpeace.
O estudo, apresentado em uma série de reuniões ao MME foi desenvolvido pela PSR a pedido de 11 empresas do setor – Bioenergy, CPFL Renováveis, Dupont, Engevix, Enel Green Power, EC13, Fotowatio, Renova Energia, Solyes, Solarvatio e Tecnometal -, ainda não foi tornado público, mas a Agência CanalEnergia conversou com alguns dos personagens envolvidos para entender as reais perspectivas da fonte para este ano e o valor do preço-teto. Rafael Kelman, consultor da PSR, que conduziu o estudo, contou que foram levadas em contas premissas e referências internacionais para se chegar as possibilidades de inserção da fonte.
Ele frisou que a Taxa Interna de Retorno “é bem enxuta” para os investidores. Além disso, o estudo leva em consideração as melhores áreas de irradiação solar no país, como Nordeste e Norte de Minas Gerais. A queda nos custos dos equipamentos solares verificadas atualmente também pesa na questão. Eduardo Serra, presidente da Solyes, contou que a proposta é de inserção da fonte em três leilões, com quatro produtos diferentes, com uma contratação total de 1,5 GW médios em três anos. O volume, segundo ele daria uma sinalização clara para os fornecedores se movimentarem em direção a uma decisão de instalação de fábricas no Brasil.
“A gente está fazendo a proposição que faz sentido do ponto de vista estritamente de política energética e inclusive, para justificar esse preço que parece ser mais caro hoje, agregamos uma série de externalidades positivas, que estão nessa linha. Estamos falando de quatro produtos, para justificar a vinda da linha de fabricação, sem isso é incerto”, afirmou Serra.
O estudo apontou que a contratação poderia ter um resultado líquido negativo de R$ 500 milhões, no período de 42 meses abrangido pelo levantamento, que considerou a venda da energia como reserva, no mercado spot. Ou seja, não haveria ganhos para modicidade tarifária, já que o custo de geração seria maior ou igual a receita gerada com venda da energia. Mas Serra pondera que em 15% dos cenários desenhados haveria ganhos para o consumidor em tempos de preços do mercado spot mais elevado.
Os investidores defendem que a energia solar vive um momento muito parecido com o que estava a energia eólica em 2009, quando foi realizado o primeiro leilão exclusivo da fonte: sobre oferta de equipamentos, queda nos preços e necessidade de introdução de nova geração na matriz. Eles acreditam que a energia solar pode entrar com uma taxa mais flexível de nacionalização dos projetos, abaixo dos 60%, usualmente pedida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que poderia ser elevada progressivamente para incentivar a instalação dos parques geradores ao mesmo tempo que se constroem as fábricas, já que a indústria brasileira para a área ainda é incipiente.
A fonte solar vive um momento de grande ebulição no mundo, apesar da desaceleração verificada no ano passado. Segundo a Agência Internacional de Energia, já há 96,5 GW de solar fotovoltaica instalada no mundo, número que pode chegar ou ultrapassar os 100 GW quando forem tabulados todos os números de 2012. Somente no ano passado, foram instalados 28,4 GW no planeta. Estudo da Bloomberg New Energy Finance mostra que as fontes renovável vão atingir US$ 630 bilhões no acumulado de 2012 a 2030, com a instalação de 3.500 GW de capacidade. O levantamento mostra ainda que 70% da nova capacidade de geração de energia no período será renovável, dos quais 24% de solar.
Serra, da Solyes, indica que há capacidade ociosa no mundo nas fábricas de painéis que podem contribuir para uma energia solar mais barata no Brasil. Mathias Becker, diretor-presidente da Renova Energia, lembra que o preço dos equipamentos caiu muito nos últimos anos, porém mais em decorrência dessa sobreoferta do que dos custos, que, salientou, estão caindo sim. “O Brasil poderia aproveitar essa oportunidade. O preço já caiu antes dos custos. Se o país quer assegurar o início de uma nova fonte deve fazer isso hoje. Vale a pena instalar agora e aprender a fazer, para ter uma indústria”, frisou o executivo.
As onze empresas, que participaram do estudo, vão formalizar os pleitos ao MME em carta a ser encaminhada nos próximos dias. Elas correm contra o tempo, pois o governo já indicou que as diretrizes dos leilões, que acontecem no segundo semestre saem no mesmo período. Apesar da empolgação dos empreendedores, ainda há focos de resistência a fonte no ministério, que preferem esperar mais um pouco para uma maior redução do preço para liberar a participação nos certames.
“Há uma mistura de sentimentos no planejador sobre a energia solar. Todos concordam que solar é uma boa fonte e que deve ser implantada no país. Isso é unanimidade. A única questão envolvendo é quando. Se nesse ano ou nos próximos”, apontou Becker. Serra afirmou que com os fatos apontados eles esperam pelo menos uma previsão da participação da fonte nos leilões. “Se não tiver uma política que favoreça expressa nas portarias, que ao menos exista garantia de que nossa fonte não estará impedida de participar”, ponderou o executivo.
Ricardo Baitelo, do Greenpeace, acha que houve um retrocesso na direção do governo desde a entrada das eólicas na matriz. “Eu acho um pouco decepcionante o posicionamento do governo. Eu acho que é um retrocesso desprezar o potencial solar, por mais que não seja comparável a grandes hidrelétricas ou grande parque eólico, mas ele poderia ajudar a economizar o que a gente está utilizando de combustíveis fósseis”, comparou. Para Sérgio Marques, da Bioenergy, há uma miopia por parte do governo em relação a fonte. “Quero que o governo acredite no mercado. Coloque um preço, deixe a iniciativa acontecer. Fico impressionado como algumas partes do governo são descrentes”, observou.
Marques apontou que não pode haver marginalização de fontes e sim uma diversificação da matriz. Mas os membros do governo, no discurso oficial, não deixam transparecer que há a disposição de colocar a fonte no leilão A-5 deste ano, que não deve contar com eólicas, com apenas uma hidrelétrica – Sinop (MT-400 MW) -, e com forte presença das térmicas a gás natural e a carvão mineral. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, adiantou à Agência CanalEnergia, que as eólicas não devem entrar nesse certame, ficando restritas ao A-3 e o LER, que será exclusivo da fonte.
Com isso, a possibilidade de participação já nos leilões da solar são pequenas, mas a palavra final só virá com a publicação das portarias fixando os certames. Outro problema é que o preço sugerido para a solar é semelhante ao pedido pelos agentes térmicos a biomassa e de Pequenas Centrais Hidrelétricas para viabilizar a participação nos leilões, que foi pífia nos últimos certames. Para Rafael Kelman, da PSR, uma possibilidade é separar dentro dos leilões as fontes evitando a disputa entre elas, mas apenas entre seus pares.
Mesmo com a dúvida, a movimentação dos agentes do setor é grande. A Agência Nacional de Energia Elétrica contabiliza 145 pedidos de registro de outorga desde o ano passado em tramitação. Algo relevante, levando-se em conta que o país tem apenas 13 usinas solares, com 7,5 MW em operação. Mas a confiança dos agentes nos projetos é grande. A Bioenergy conta com 23 projetos com 350 MW de capacidade instalada em desenvolvimento. A Renova Energia, segundo Becker, poderia entrar nos leilões com algo entre 250 e 400 MW. Os projetos da empresa estão próximas aos parques eólicos da companhia no interior da Bahia, contando com terra e conexão disponíveis.
Marques, da Bioenergy, disse que os projetos da empresa são competitivos e estão principalmente nos municípios de Bom Jesus da Lapa e Oliveira dos Brejinhos, na Bahia, e Januária, em Minas Gerais. A empresa está construindo um parque experimental de 1 MW, com contrato de EPC com Solyes, na qual vai testar tecnologias fotovoltaicas de 10 fabricantes em policristalino, monocristalino e filme fino. “70% desse 1 MW vão ser policristalino, que entendemos ser hoje a tecnologia mais competitiva. A tecnologia que dá maior rendimento, ou seja, desce de preço ano a ano e aumenta de fator de capacidade”, comentou.
A usina deve ficar pronta no fim do ano, ainda no segundo semestre a empresa deve pedir um financiamento ao BNDES. Marques contou que o projeto cujo orçamento inicial era de R$ 7 milhões, deve sair por R$ 5 milhões depois de uma série de otimizações realizadas. Outra empresa ansiosa pelos leilões é a Braxenergy, que conta com 500 MW prontos para serem viabilizados. O presidente da empresa Hélcio Camarinha disse que a empresa tem um total de 3 GW de estudos de viabilidade prontos. A Braxenergy também está tentando viabilizar um projeto solar no mercado livre. Camarinha adiantou que a empresa está negociando com uma grande comercializadora um contrato de 15 anos para uma planta de 30 MW.
“Desses projetos 500 MW tem terra comprada ou desapropriada negociada com prefeitura. Todas as CSP [Concentrated Solar Power] tem outorga de água, licença, estudo de conexão contemplado no capex. Já temos oferta de financiamento. O que falta é colocar um recebível de longo prazo para edificar esses empreendimentos”, contou. Sem falar em valores de preço para leilões, Camarinha disse que “se houvesse um leilão o mercado ficaria surpreso com o resultado”
A Solyes por sua vez conta com 310 MW de projetos registrados na Aneel e, adianta Eduardo Serra, pretende ampliar esse volume nos próximos meses. A empresa como a Renova Energia aposta na geração distribuída, impulsionada pela resolução 482/2012 da Aneel, como fonte de negócios. Mathias Becker, da Renova, afirmou ainda que no médio e longo prazo, a fonte solar com esses dois segmentos – usinas e geração distribuída – deve ter uma importância tão relevante quanto das eólicas atualmente no portfólio da companhia.
As vantagens da fonte, como a complementariedade com as hidrelétricas e as eólicas, e as desvantagens, como a intermitência e o baixo fator de capacidade, já são conhecidos. O estudo derruba alguns mitos sobre a fonte em relação ao seu custo. Com preço equivalente a térmicas a biomassa e PCHs, pelo menos em uma disputa no A-5, no momento, os investidores conseguiram balançar o governo, mas se vão vencer as resistências e colocar a fonte já no certame A-5 deste ano só com a publicação das portarias o martelo será batido.
Fonte:http://www.abraceel.com.br/zpublisher/materias/clipping_web.asp?id=94972