O desinvestimento numa tecnologia considerada como pouco madura tem sido o reflexo das dificuldades de alguns países. Portugal tira o tapete a um mercado que se estava a desenvolver e a crise está instalada. Numa visão global e optimista, este sector está a começar a reposicionar-se e a passar de produto financeiro a instrumento de poupança.
As decisões e a linha de actuação do actual Governo na área da energia são agora explicadas com a saída do PNAEE e PNAER, revistos pela primeira em conjunto. Daí poderia resultar uma esperança para o sector das renováveis, mas tal como era previsível, isso não aconteceu. A eficiência energética e as renováveis convergem para o mesmo objectivo, a redução das emissões de CO2, mas, na prática, vários aspectos caem pelo caminho. A energia solar fotovoltaica é uma dessas peças que fica em segundo plano e não é elencada na estratégia para a eficiência energética. Destes dois documentos ressaltam duas mensagens fundamentais: a racionalidade económica é a linha orientadora base e a aposta está na manutenção de tecnologias maduras, como as eólicas e o solar térmico, do lado das renováveis.
É neste contexto que se explica o desinvestimento no solar fotovoltaico. Uma realidade que começou a sentir várias dificuldades em 2011, agravada pela confirmação, em Setembro do ano passado, dos cortes às tarifas bonificadas da microprodução ou microgeração. Os 25MW de instalações anuais até então definidos anualmente para licenciamento foram reduzidos para menos de metade (10MW) e com ele caiu um sector que ficou em estado de choque. Nem mesmo os 11MW definidos para este ano animaram o mercado. Recorde-se que a indústria manifestou uma maior preocupação pela redução das quotas de instalação e não tanto pelo corte das tarifas bonificadas e defendeu uma alteração progressiva de forma a proteger o sector. Já na mini produção ou minigeração, o principal problema está principalmente na redução da capacidade instalada: de 2011 para 2012 houve uma redução de 40% (passámos de 50MW para 30MW, que se mantém também para 2013).
A manutenção e aposta nesta área e neste modelo têm tido até agora como principal objectivo, também no nosso país, dinamizar o fotovoltaico como um sector estratégico nas renováveis de forma a cumprir as metas de Bruxelas. Mais, a necessidade de investimento neste segmento com uma expressão crescente, embora ainda reduzida em toda a Europa, explica-se pela contribuição que o solar fotovoltaico pode dar na descentralização de energia, ou seja, no contributo destes sistemas nos edifícios que se querem mais eficientes, numa Europa que se pretende mais sustentável e que caminha para os edifícios de balanço zero já em 2020. O caminho passa por incentivar a gestão local de energia, neste caso a produção local de electricidade de forma a evitar desperdícios e contribuir para um mix energético mais eficiente e menos poluente. Os resultados começam a aparecer e dados da EPIA mostram que a energia solar fotovoltaica contribui para 2% do mix eléctrico europeu e 4% em alturas de pico. Segundo a Associação Europeia da Indústria Fotovoltaica (EPIA), “o apoio político tem sido crucial para levar o fotovoltaico a este ponto de desenvolvimento, tal como foi crucial para ajudar a desenvolver todas as outras fontes energéticas no passado”.
Mas as vantagens desta tecnologia não se resumem à sua importância ou ao seu papel nesta estratégia europeia. Esta indústria representa um valor económico na Europa que não pode ser desprezado, nomeadamente em relação ao emprego que tem sido criado em toda a cadeia de valor: para a produção de módulos e por cada MW de potencia fabricado, são criados 3 a 7 empregos directos e entre 12 a 20 indirectos, segundo os dados da EPIA.
De produto financeiro a factor de poupança
A crise financeira e a dificuldade na disponibilização de incentivos por parte dos vários países estão a criar um bloqueio enorme ao desenvolvimento deste sector. Por outro lado, a indústria considera que este é um momento de viragem e que agora é preciso “demonstrar que o fotovoltaico é uma indústria madura, preparada para a próxima fase de desenvolvimento. A indústria não espera nem quer que as tarifas feed-in durem para sempre. Mas para o fotovoltaico concretizar o seu potencial completo, o sector precisa delas (e de eventualmente outras formas de apoio político) para completar a lacuna da competitividade” , lê-se no relatório “Global Market Outlook 2016” da EPIA.
A indústria fotovoltaica tem sido muitas vezes acusada de viver à custa dos incentivos/apoios políticos, mas essa realidade está a começar a mudar. A redução progressiva das tarifas e a proximidade do ponto de paridade de rede colocam o sector num novo contexto em que o seu ponto forte vai passar a ser a poupança. Esta pode ser uma oportunidade para que o solar fotovoltaico deixe de ser visto como um produto financeiro e passe a posicionar-se como um factor de poupança com todas as vantagens inerentes a esta tecnologia, numa lógica de sustentabilidade. Até agora, com base nos incentivos tarifários, os investimentos feitos nesta tecnologia eram alavancados com uma perspectiva de venda à rede da electricidade produzida e consequentes ganhos financeiros directos. A partir de agora, a realidade pode ser outra. Alexandre Cruz, presidente da Associação Portuguesa das Empresas do Solar Fotovoltaico (APESF), defende que o mercado tem que se ajustar. “Dentro de um ano ou dois, o fotovoltaico deixa de ser um produto financeiro e passa a ser um equipamento que colocamos nas nossas habitações e que nos permite poupar energia, porque produzimos parte da electricidade que consumimos”. Nessa altura, as pessoas terão que começar a fazer outras contas com base no potencial de poupança associado ao investimento inicial e assim definir o seu interesse em função do tempo de retorno. Aqui, segundo este gestor, “ou o tempo de retorno financeiro aumenta, em vez de ser pago em seis ou sete, passa a ser pago em oito ou nove anos, ou o preço dos sistemas fotovoltaicos tem de se adaptar a esta nova realidade para manter o número de anos de amortização”, ou seja, a tecnologia passa a ser disponibilizada no mercado com preços inferiores aos que temos hoje. Esta segunda orientação é a mais provável, tendo em conta a pouca receptividade do consumidor a períodos de retorno superiores a seis anos. Acresce a falta de sensibilização do cidadão ou a falta de cultura energética das pessoas na persecução de objectivos de sustentabilidade e que tornam estes processos muito mais difíceis, sobretudo nos países do sul da Europa, como em Espanha e Portugal.
Esta redução dos valores de mercado dos sistemas fotovoltaicos começou a verificar-se nos últimos anos e a indústria tem reagido no sentido de se tornar mais competitiva. Mas provavelmente ainda não chega, se tivermos em conta este novo cenário. “Há três anos, um módulo (um painel tipo é formado por vários módulos) custava dois euros e agora custa 50 cêntimos, mas os módulos não vão continuar a decrescer a esta velocidade”. Alexandre Cruz explica: “o preço do material em si não vai baixar. Portanto, para manter o mesmo retorno económico só há uma variável em que se pode mexer, que é a mão-de-obra”. Com esta realidade, não resta alternativa a baixar o valor da instalação. “As empresas vão ter de descer a margem de lucro da instalação, e assim vão ganhar menos dinheiro, o que pode tornar este negócio desinteressante para algumas empresas, em particular de média e grande dimensão”.
Em Portugal
A situação é gravíssima para as empresas no actual momento. A queda da quota de 25MW para 10MW em 2012 na microgeração e que se fixa agora nos 11MW foi muito drástica e apanhou de surpresa um tecido empresarial que se estava a formar, a investir e a dinamizar. Junta-se à redução das tarifas a necessidade de redução do preço instalações para acrescentar competitividade a esta tecnologia. Acresce ainda a dificuldade que estas empresas têm no acesso ao financiamento. Um conjunto de factores que neste momento desenham um quadro muito pessimista para o mercado do sector fotovoltaico em Portugal. Menos pessimista, Alexandre Cruz continua a acreditar no factor poupança como alavanca determinante nesta altura. “A procura poderá manter-se ou até aumentar. Acredito que vamos fazer os 11 MW e que o mercado vai continuar a ser dinamizado por estas tarifas mesmo baixas, porque há vária premissas que temos de entender, há clientes que querem estar ligados às renováveis, outros que preferem ter o dinheiro aqui do que no banco. Existem uma série de inputs e de influências externas que nós não dominamos. Vamos continuar a ter mercado este ano, agora será um mercado mais vocacionado para as micro e pequenas empresas. Porque essas empresas têm mais facilidade em adaptar o preço dos sistemas e da mão-de-obra. São mais flexíveis em termos de margens. Estamos num ano de transição, já se fala no net meteering, no auto-consumo e no conceito do consumidor produtor, que vão ser o futuro”. Para a APESF, “estamos no mercado correcto e o fotovoltaico vai ser parte da política de eficiência energética. Não há nada mais eficiente do que um consumidor que produz parte da sua própria electricidade”. Em relação ao futuro, “dentro de 2/3 anos vamos estar a comprar electricidade a 20 cêntimos e a produzir a 14 ou 15 cêntimos. Aí vai ser possível amortizar o sistema na diferença do kWh. Estamos a chegar à paridade de rede e vamos passá-la muito rapidamente e, dentro de um dois anos, o conceito de tarifas deixa de fazer sentido. Os produtos fotovoltaicos vão deixar de ser sistemas de negócio B2B, o nosso cliente deixa de ser o instalador e passa a ser o cliente final. Tal como hoje se compra uma televisão. A comunicação das empresas vai ter que necessariamente passar por uma comunicação ao cliente final”, conclui Alexandre Cruz.
Fonte:http://www.edificioseenergia.pt/